segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Luiz Ruffato na Feira do Livro em Frankfurt-Alemanha: A verdade sobre o Brasil.


"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.

O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro é a alteridade que nos confere o sentido de existir, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.

Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores.
Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania -moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade-, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios, o semelhante torna-se o inimigo. 

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.
Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados. 

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade. 
E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais, ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples. 

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.
Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo, amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."

É uma pena que em Cataguases,MG, cidade natal de Luiz Ruffato esse discurso não tenha bombado.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Palavra - Maria Bethânia

Neste ano de 2013, o excesso de trabalho característico da vida do professor brasileiro não tem me permitido postar ideias, escritos, fatos neste meu blog. Nestes dias de recesso escolar em julho tenho aproveitado para buscar coisas interessantes e eis que hoje a tarde descobri esse vídeo maravilhoso da Maria Bethânia chamado "A Palavra" onde ela fala de seu amor aos livros, de seus autores favoritos, recita versos,  faz comentários, conversa e canta...
Curtam como eu curti.





quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ressurreição e Vida

Nos últimos meses de 2012 duas pessoas amigas indicaram-me o livro espírita Paixão de primavera assinado pelo escritor russo Leon Tolstoi através da psicografia de uma médium brasileira da atualidade.
Dei início à leitura nos primeiros dias das férias para saborear o citado romance tão bem comentado, uma vez que é o único período do ano em que posso ler pelo prazer de abrir um livro e debruçar-me em seu enredo.
A história é envolvente, estimulando o leitor a desejar ler e conhecer o desfecho da trama. Fez-me lembrar das emocionantes histórias de amor e aventura da autora inglesa Bárbara Cartland que lia nos tempos de juventude.
Embora muito bonita a história, algo me angustiva durante a leitura. A ausência de referencial doutrinário do Espiritismo no desenvolvimento da trama e de orientações ou mesmo explicações vindas dos instrutores espirituais responsáveis por aquele agrupamento reencarnado, personagens daquela história. Essa é a dinâmica mais utilizada em se tratando de romances espíritas, uma vez que nesses apartes vindos dos espíritos grandes ensinamentos são transmitos aos leitores. 
Observei que até a página 244 nenhuma referência com possibilidade de aprendizado é feita em relação a algum dos príncípios básicos do Espiritismo tais como: Deus, Imortalidade da alma, Reencarnação, Pluralidade dos mundos habitados e Mediunidade, assim como outros temas afins dessa filosofia espiritualista que tem sua própria nomenclatura e objetos de pesquisa.
Somente na página 245 surge a palavra reencarnado e um comentário extremamente espiritualizado de um personagem jovem que em nenhum capítulo anterior foi citado como estudioso dessa doutrina. A partir de então há algumas expressões espíritas, algumas ações de certos personagens inspiradas na filosofia espírita e mesmo assim essas ideias ficam algo que desconexas. Ao concluir a leitura não me sentia satisfeita em razão do livro estar classificado como obra espírita psicografada, com tão precárias fontes de aprendizado espiritual que estimule o leitor a realizar em si reformas íntimas como é o propósito do Espiritismo: A educação dos espíritos reencarnados na Terra.
Eu ainda não havia lido nenhuma outra obra assinada por Leon Tolstoi, na condição de espírito desencarnado, embora em minha estante houvesse o livro Ressurreição e Vida, do referido escritor através da psicografia de Ivone do Amaral Pereira. Imeditamente dei início à leitura do mesmo percebendo nas primeiras páginas grandes ensinamentos quando a própria Ivone Pereira escreve a introdução do livro apresentando-o à comunidade  como contribuição do seu amor nas comemorações do centenário do "Evangelho Segundo o Espiritismo" isso no ano de 1964. Ela também esclarece ao leitor sobre o processo de aproximação do espírito Leon Tolstoi, conduzindo-a através do éter divino à Russia, na antiga Moscou imperial, da época em que ele lá esteve reencarnado.
Em seguida, o autor espiritual faz uma apresentação de seu desejo de ser útil transmitindo conhecimentos espirituais que venham a estancar as lágrimas de saudades de quantos à beira das sepulturas. Ele encerra sua apresentação com as seguintes palavras:
" Dou-lhes, pois, o meu testemunho de imortalidade além do túmulo. Que esse testemunho seja motivo de paz, alegria a fraternidade para os que me lerem, são os votos que aqui deixo".

O livro é composto por oito histórias, todas ambientadas na Rússia imperial. Em cada uma delas as personagens trazem conflitos íntimos, dificuldades espirituais, morais e éticas a serem solucionadas através do evangelho no transcorrer das suas reencarnações.
São páginas de cultivo da mensagem de amor de Jesus de Nazaré através da filosofia espírita, com toda a gama de temas desenvolvidos por ela, que o autor aproveita para nos ensinar através das experiências de amor, ódio, revolta, arrependimento, trabalho, reforma íntima que as personagens vão apresentando no decorrer das histórias, que são fragmentos de reencarnações de agrupamentos de espíritos na longa caminhada evolutiva a caminho da luz.
Ao concluir a leitura dessa obra agradecemos a Ivone Pereira por sua mediunidade bendita, a Leão Tolstoi, como ela prefere escrever, por seu amor às criaturas humanas e à Grande Energia criadora da vida por nos possibilitar tanta aprendizagem através dessas duas criaturas divinas que já conseguem amar para além das afinidades espirituais. Muito obrigada!